Uma casa grande, uma família grande. Esta
era formada por pai, mãe e quatro filhos. Os três mais velhos eram praticamente
da mesma idade, a diferença não devia passar de quatro anos entre o primeiro e
o terceiro. O caçula já era muito mais novo algo em torno de dezoito anos entre
ele e o mais velho. Os pais eram bem sucedidos e já planejavam a aposentadoria.
Fora o caçula, que estava na faculdade, todos os filhos trabalhavam.
Como dito, a casa era grande. O casal não
queria que seus filhos saíssem de casa e construíram uma residência que faria nunca
terem essa vontade. A energia presente
quase sempre foi muito boa,todos se davam muito bem.
A mãe era apaixonada por botânica, mas era
alérgica a quase todas, senão todas, as espécies de flores. Não podia sentir o
cheiro delas que um mal-estar a consumia. Devido a isso, moravam isolados longe
de flores naturais. O pai, ciente da condição, fez um jardim belíssimo com
flores de plástico. Estas eram réplicas quase exatas visualmente, e não exalavam
cheiro algum. Quando criança, seu filho caçula odiava aquelas flores, não
entendia o propósito de flores que não tinham cheiro.
O pai, velho, vez ou outra falava da morte
que já estava mais pra cá do que pra lá. Falava do legado, da herança e da
responsabilidade que os filhos teriam quando o momento chegasse. Nunca lhe davam ouvidos, queriam acreditar
que a morte só chegava para os outros. Ora, era um velho saudável. Porque a
morte o levaria?
Ah! Quanta inocência! A morte nunca gostou
do previsível, E foi numa tarde como qualquer outra, enquanto voltava do
trabalho, que o pai sofreu um grande acidente de carro. Morreu e sequer teve
oportunidade de se despedir, sua partida não fora marcada.
A mãe chorou como nunca e repetiu por
algum tempo, certas palavras “O único homem que amei. Por que, meu deus? ” Os
filhos mais velhos disfarçavam a tristeza, queriam parecer fortes. O mais novo
não. Chorava e chorava muito. Que força era demonstrada ao esconder lágrimas
afinal?
A mãe nunca aceitou o fato e não demorou
para que caísse numa depressão. A união de outrora não existia, estavam todos
distantes. Os irmãos mais velhos pouco falavam e pouco se importavam com a mãe
doente. O caçula era o único que conversava com ela e, mesmo sabendo da doença,
achava aquele contato muito agradável. Senão ele, quem mais tentaria animar a
pobre idosa?
Apesar dos esforços, nunca teve a
capacidade de alegrar a mãe como o pai fazia. Jogava palavras no ar por horas,
caminhava pela floresta de plástico, mas nada disso mudava o semblante dela por
um tempo considerável. Sentia-se incapaz, culpado talvez, pela depressão e pela
desunião da família inteira. Um fardo pesado demais para um guri daquele
carregar.
-Filho, não se esforce demais.
Palavras que sempre escutava, mas não
podia dar ouvidos.
Por anos assistiu ao sofrimento da mãe e
também o descaso dos irmãos. Cansou-se de rezar. O que também não fazia efeito.
-Maninho, porque insiste tanto nessas
rezas? Deus já nos desertou, pouco se importa conosco.
Esforçava-se para não levar essa tese a
sério, porém, o que seu irmão passou a dizer se mostrava verdadeiro. “Ó,Deus,
por que logo conosco?”
Os anos passavam e, pouco a pouco, sua mãe
perdia a memória. Seus irmãos disputavam uma herança que ainda não estava
disponível. Faziam isso enquanto deixavam a casa e, de repente, pararam de dar
noticias. Malditos.
Sentia-se sozinho na casa. Irmãos ausentes e
uma mãe com amnésia. O que restava? Apegou-se às memórias do pai, e a mais
forte delas era aquela floresta de plástico, as flores sem cheiro. Era ali
onde, nos poucos momentos de lucidez, sua mãe queria estar.
-Ah! Os cheiros dessas flores me deixam tão
próxima de ti, Ju.
Ju... Era assim que ela chamava o marido.
O menino, já não mais aquele menino, ouvia aquilo com lágrimas nos olhos.
“Pai, sempre subestimei sua presença. Como
pode uma família ser tão forte num momento e, logo no seguinte, parecerem não
se conhecer? Pai, sua ausência é muito sentida, por que nunca me ensinou a
manter os elos familiares como fazia? Eu via seus filhos, meus irmãos, brigando
pelo que deixou, parecia que nunca se amaram, Hoje já não os vejo, fugiram como
cães fogem quando estão com medo. Onde está você para ensiná-los a amar mais
uma vez? Onde esta você para encorajá-los de novo? Pai, porque não é eterno
como essas flores que fez? Pai, por favor,ajude.”
Escreveu essas palavras e colocou o papel
no telhado. Tinha uma curta esperança que Ju fosse ler algum dia e que mandaria
um sinal. Por que alimentava essa fé boba? Não sabia. Gostava de coisas bobas
tais como Deus, e recados em telhados.
Não demorou e, num certo dia, quando
passeava com a mãe viu que ela estava com uma flor de verdade na mão e a
cheirava. Tomou a flor, mas era tarde. A idosa já passava mal e isso poderia
ser fatal. E, de fato, foi. O organismo não aguentou; a mãe morreu dois dias
depois. Chorou muito no dia e em todos os dias que se seguiram.
E
foi num desses dias que estava coberto em suas próprias lagrimas que escreveu
as ultimas coisas que teve vontade.
“Pai, morreu quando ninguém esperava e
nossa família morreu consigo. Mamãe, enfim, oficializou a morte do corpo. A
alma dela morrera naquele acidente de anos atrás. Papai, como pôde criar três
filhos tão desgraçados e um tão fraco? Os primeiros só queriam dinheiro, e eu
nunca fui capaz de reviver o amor que levou consigo no caixão. Papai, nosso
amor era assim tão fraco? Que amor de família era esse que tínhamos? Aquelas
flores de plástico são muito mais fortes que aquele pseudo amor. Sim, essas
flores estúpidas que agora cheiram à morte. Sim, um cheiro horrível de morte.
Papai, por favor, me responda. É o plástico mais forte que o amor?”
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