segunda-feira, agosto 20, 2012

Arqueologia

Nascer, crescer, envelhecer e morrer. Estava quase completando esse ciclo quando memórias de tempos áureos não paravam de caminhar de um lado para o outro em sua mente e em seus sonhos. Lembrava dos tempos de arqueologia quando costumava encontrar muitas coisas curiosas e outras nem tanto. Entre essas tais coisas, havia uma que nunca saiu de sua cabeça. Estava caminhando no meio de uma terra seca com um clima de deserto, mesmo havendo vegetação na área. Sabia que iria encontrar alguma coisa ali, mas não imaginou que fosse algo que seria tão marcante. Ia caminhando no meio daquela aridez e da vegetação rasteira. Avistou o asfalto e percebeu que estava chegando perto. Mas, chegando perto do que? Pegou o binóculo de dentro da mochila e percebeu algo no horizonte, uma espécie de construção. Foi chegando mais perto e percebeu um prédio caindo aos pedaços, olhou para cima, contou o número de andares e aí estava um problema dentre muitos de suas memórias errantes. Não conseguia lembrar o número exato de andares que tinha aquele prédio nem o material de que era feito. O arqueólogo apenas adentrou os domínios daquela construção.

Aquele pobre idoso era taxado de louco por seus filhos, por dizer coisas absurdas sobre os tempos de arqueólogo que não faziam sentido algum. Coisas como ter visto espíritos nas construções que visitava, ou por insistir que conseguia ver o futuro das pessoas que olhava. Um dom? Ou apenas um quadro estranho de esquizofrenia? Alguns achavam isso, outros achavam aquilo. O certo é que nada havia de certo sobre aquele velho, não importava o que afirmavam os médicos, ou os antigos colegas de profissão, sempre houve e sempre haverá essa dúvida sobre aquele indivíduo.

Aquela construção era realmente apaixonante. Era, razoavelmente, alta e com um grande terreno plano ao seu redor. O arqueólogo invadiu o terreno daquela imponente beleza e avistou no centro algo que parecia ser um banco.  Estava cansado da jornada que fez para chegar até ali, logo, caminhou rumo ao assento e acomodou-se. Tirou uma garrafa de água da mochila, molhou a garganta e começou a olhar ao seu redor. Percebendo o grande espaço que tinha por ali, começou a imaginar o que acontecia lá quando pessoas ainda moravam por ali. Fechou os olhos e os manteve assim por um considerável período de tempo. Sentiu a brisa que passava por ali e o sol batendo em sua pele, até decidir abrir os olhos e ter a visão de como aquele lugar era nos tempos de habitação.

O pobre velho tinha sido jogado em um asilo pelos filhos. Suas histórias e contos não os interessavam mais. Achavam que era tudo uma grande besteira e que sua loucura poderia contagiar os netos. Enfim, nunca pararam para prestar atenção no que aquele pobre tinha para dizer, apenas se livraram dele da maneira mais fácil e conveniente que acharam. Tiraram dele as coisas que ele mais dava valor: a falta de rotina que sempre fez parte de sua vida e a boa conversa que sempre teve com seus antigos colegas sobre as descobertas e aventuras que tiveram juntos.

O arqueólogo conseguia ver claramente todos os espíritos de todas as pessoas que habitaram aquele local em uma determinada época. Ficou fascinado com a simplicidade e a felicidade de quase todos por ali. Procurava algo ali que pudesse ter um significado maior do que tudo que já tinha conseguido. Procurou e nada achou. Depois de um curto período de tempo, percebeu que um dos espíritos o encarava de uma maneira completamente fora do normal, afinal, eles não estavam realmente naquele lugar, eram nada mais nada menos que visões. Aquele espírito tinha a aparência de uma garotinha, e o olhava como se suspeitasse de alguma coisa, era inacreditável o que estava acontecendo.

No asilo, as visitas eram raras e tinha de se contentar com a solidão. Não gostava nenhum pouco daquele lugar, mas aquele lugar gostava muito dele. Muitos dos ali presentes gostavam de escutar suas histórias e aventuras. Porém, ele não ligava para aquilo, tudo que queria era rever os netos e deixar de ser taxado de louco pelos próprios filhos, aqueles mesmos que ele alimentou e educou durante longos anos. Achava inaceitável que fosse odiado pelos filhos que tanto amou e amado por pessoas que ele nunca tinha visto antes. Esquecido, era assim que se sentia.

Estava fascinado pela garotinha que o encarava, olhava fixamente para os olhos dela como se tentasse ver o que aconteceu com ela naquele lugar em um diferente tempo. Era uma tentativa inútil, não conseguia ver nada, apenas a olhava e nada além disso. Quem seria capaz de fazer alguma outra coisa? Uma pena que sua idade não permitia que lembrasse de muitos detalhes sobre aquela pequena garota. Momentos depois, a menina apontou o dedo para o seu rosto e começou a chamar os outros espíritos que os cercavam. Estes começaram a observar a ação da menina por um certo tempo até que todos voltaram a fazer o que faziam e deixando de lado a pequena criança . Alguém que parecia ser a mãe da menina chegou e começou a puxá-la pelo braço como quem diz que já estava na hora de ir pra casa.

Meses se passaram naquele maldito asilo e fez um punhado de amigos por lá, mas, mesmo assim, continuava a detestar o lugar e, por sua vez, o lugar continuava a amá-lo. Aquele ambiente apenas representava a exclusão pro pobre idoso, o esquecimento e a desgraça da rotina que nunca o assombrou, mas o fez nesses últimos meses. Era tedioso, era chato, era tudo que não gostava. As visitas de seus filhos e netos continuavam cada vez mais raras e isso era o que mais lamentava. Não conseguia entender o motivo de tamanha indiferença por parte deles. Sempre foi muito atencioso e presente e fazem tudo isso por acharem que era um louco? Era uma grande injustiça e achava que um dia poderia entender aquilo.

Assistiu a menininha partir com sua suposta mãe com lágrimas nos olhos. Não era pra menos, nunca havia visto nada que chegasse perto da magnitude daquilo em nenhuma de suas viagens. A garotinha olhou para trás e tirou o gorro vermelho que usava e o jogou no chão enquanto mantinha contato visual com o arqueólogo. O aventureiro decidiu fechar os olhos de novo por um razoável período de tempo e depois que os abriu não via mais aqueles espíritos. Caminhou até o lugar onde, supostamente aquele misterioso espírito havia deixado o gorro cair e começou a cavar. Depois de um longo tempo, não encontrou aquele gorro vermelho e sim um pedaço de tecido vermelho. Decidiu sair dali logo em seguida para poder voltar para casa e guardar o mais novo e, por que não dizer, mais precioso de todos os bens que já havia adquirido em uma expedição. Realizou a viagem de volta para casa e colocou aquele velho pedaço de tecido em uma maleta.

Mais alguns meses se passaram no asilo e, com essas lembranças povoando seu cérebro, não parava de pensar naquela menininha que o encarou há muito tempo e no velho pedaço de tecido que guardava. Foi até sua maleta e deu uma olhada naquele tecido, o que provava que de louco ele pouco tinha. E sobre aquela garotinha, continuava pensando o que havia acontecido com ela, o que ela se tornou, o que gostava de fazer, e sobre a vida como era a vida em família daquela fascinante criança. O que seria ela? Será que tinha algum dom parecido com o do velho arqueólogo? Mas como ela podia ver que alguém estaria ali e poderia vê-la depois de tanto tempo? O pobre idoso estava sofrendo com aquilo, não só com aquilo, mas também com uma grave doença. Sabia que a morte estava próxima e que não demoraria muito para partir.

Não pensava em nada, apenas na garotinha, quando, de repente, todos os seus filhos e netos apareceram. Todos sabiam que o idoso estava morrendo e que não demoraria muito para que acontecesse. Conversaram por um longo tempo. Os filhos todos sabiam que não poderiam mais vê-lo em breve, os netos eram muito novos pra entender que não veriam mais o avô em pouco tempo. A conversa seguia até que o velho arqueólogo chamou o mais velho dos filhos para perto e susurrou em seu ouvido toda a história sobre aquela pequena menina.

- Filho, te diria onde minha maleta está, mas não consigo lembrar onde a coloquei. Procure-a e se pergunte novamente se sou louco. - Finalizou o arqueólogo.

Nunca havia levado as histórias de seu pai a sério, mas por ser o último desejo dele, prometeu que iria em busca da maleta, e torceria para que estivesse errado quanto ao julgamento que sempre teve de seu próprio pai.

Nascer, crescer, envelhecer e morrer. É o ciclo natural de todas as coisas que existem nesse doce planeta Terra. O velho decidiu fechar os olhos pela última vez por um considerável período de tempo.

- Envelheceu e me deve muitas respostas. - Sim, esse foi o último pensamento daquele velho enquanto encarava alguem que ninguém mais conseguia ver ou sentir.

Passou seus ultimos minutos assim, pensando em que perguntas poderia fazer. Pensou e pensou...
até que as lágrimas predominaram em toda a sala. Seu ciclo estava completo.

...