segunda-feira, setembro 22, 2014

As tais cores

Os campos ali eram preenchidos por plantas de diversas cores. Formavam uma bela paisagem e um belo lugar para se fazer caminhadas. A sombra dali deixava o ambiente muito agradável e caminhar naquela região era extremamente prazeroso. Havia por lá uma dupla inseparável, pai e filho, que costumavam caminhar por entre as árvores que ali estavam enquanto curtiam a companhia um do outro. Pelos olhos do filho, o pai era extremamente sábio e, pelo olhar do pai, o filho era bastante curioso.
Num certo dia, perderam a hora e andaram muito mais do que era de costume. Viram-se num lugar onde duas trilhas se cruzavam e estavam em pé bem na interseção entre elas. Naquele ponto, existia uma divisão clara de cores e a falta delas. À esquerda dos dois, havia árvores com folhas amarelas e outras com folhas cinzas. Essas árvores e suas cores não se misturavam. À direita, as árvores tinham folhas roxas e, depois de uma certa linha imaginária, apenas uma árvores no meio de uma planície de grama morta. Nas poucas folhas que restavam, podia-se ver que essa já foi uma árvore cujas folhas eram rubras.
O pai lembrava daquele lugar, esteve lá há muito tempo, não lembrava com quem, mas sabia que já estivera ali. Observava seu filho e percebia o encanto por aquele cenário. O garoto gostou de todas as cores, mas a solidão do vermelho fez que se apaixonasse. O menino correu em direção à árvore solitária enquanto o pai o observava e o seguia caminhando lentamente.
Depois de um tempo de corrida, o menino chegou à árvore. De perto, percebeu o quão grande era e, justamente pelo tamanho, teve vontade de subir até seu topo. Estava reunindo a coragem necessária quando sentiu a mão de seu pai tocar seu ombro esquerdo. Olhou diretamente para seu pai e percebeu o olhar de reprovação. Estava bem claro que a ideia de subir ao topo da árvore não era uma a ser considerada boa.
- Mas pai.......... por quê?
- Filho, o tronco desta árvore está podre, não deve demorar muito para que ela morra. Não se arrisque, não vale o risco.
- Mas pai, quero pegar uma folha daquelas, sua cor é fascinante.
- Concordo, porém, essas folhas logo morrerão também, como já disse, não vale o risco.
- Ao menos se existissem mais como estas...
- Já existiu, meu filho. Já existiu.
- Como sabe?
Aquele homem lembrou-se da vez que estivera ali e contou ao seu filho o que lembrava. Recordou-se exatamente das árvores amarelas, cinzas e roxas. Naquele tempo, havia mais algumas árvores vermelhas e um bom número delas já estava começando a apodrecer. Na primeira vez por lá, também se apaixonou pelo vermelho e, mesmo que algumas já estivessem apodrecendo, percebia que o rubro se misturava com as outras cores, coisa que já não acontecia. Existia alguém, uma espécie de jardineiro, que não deixava as árvores perecerem ao tempo. Esse alguém, naquela época, já era bem velho e achava que o vermelho era muito trabalhoso, por isso, não dava a elas a atenção necessária.
- Pai isso realmente é triste. Esse é o vermelho mais bonito que já vi. Não há nada que possamos fazer?
- Filho – respondeu – perguntei a mesma coisa para o velho homem. Ele me disse que existe algo muito peculiar nessa árvore, nessas folhas. O motivo de ser tão difícil cultivá-la
- E o que seria?
- Bom, pelo que sei, elas nunca foram numerosas como as outras e, como já disse, ela era a única que conseguia se misturar com espécies distintas. Aparentemente, ela influenciava o número de árvores de cada cor, contudo, o fazia de maneira imprevisível. Em certas estações, misturava-se com o amarelo e o multiplicava de maneira incontrolável. Em outros tempos, misturava-se e o amarelo praticamente sumia. Quando o amarelo diminuía consideravelmente seu número, o cinza dominava aquele lado da paisagem. Baseando-se nisso, somos conduzidos a pensar que esse fenômeno era controlado pelas estações do ano, mas não, pois o comportamento dessas três cores nunca se repetiu por duas primaveras ou qualquer estação que queira.
- Muito curioso. Como aquele idoso sabia disso?
- Isso foi observado por seis ou sete gerações da família dele, ou um número perto disso, não me recordo.
- Entendo... E como era a relação entre o vermelho e o roxo?
- Essa era, como as outras, bem interessante. Houve um tempo em que o roxo e o vermelho foram praticamente iguais, numericamente falando. Quando ocorria a mistura, inicialmente, o vermelho se comportava como um parasita para o roxo e o matava em grande número. Depois, como uma forma de vingança, era o roxo que se portava como parasita do vermelho e também o matava em larga escala. Isso ocorria até que estivessem em equilíbrio e coexistissem em paz e harmonia novamente, pelo menos, até que, após um tempo imprevisível, o processo recomeçasse.
- Devia ser divertido ver a paisagem mudando completamente sem saber o que esperar dela.
- Devia ser espetacular. Agora, vamos voltar para casa, sua mãe nos espera.
Deram as costas para o último exemplar de vermelho que existia ali e caminharam rumo à trilha que os levaria de volta para casa. O menino estava, ainda, consumido por uma curiosidade sem fim. Queria muito saber como eram as misturas que já ocorreram. Enquanto caminhavam, o pai percebia a inquietação do filho e percebia que muitas perguntas ainda existiam.
- Pai?
Começou a falar, mas logo se calou. Não queria perturbar o pai fazendo uma pergunta cuja resposta o pai não seria capaz de dar. Não queria fazer que seu pai se sentisse mal por não ter a habilidade para responder. Pura besteira, coisas de uma criança que pouco entende de consciências.
-Filho, apressemos o passo. Se nos atrasarmos para o jantar, sua mãe não ficará muito feliz conosco.
-Pai, não consigo ir mais rápido.
-Está certo – disse enquanto se agachava – suba nas minhas costas.
O filho não perdeu tempo e logo fez o que o pai sugeriu. Seu pai apressou o passo, sabia como a mulher era quando o jantar não era servido na hora certa. Fez todo o esforço que achou possível, mas não foi suficiente, atrasou-se. Quando chegaram, o jantar já estava na mesa.
-Mia – confesso não saber se esse era o nome dela ou uma forma carinhosa de chamá-la -, perdão pelo atraso, acabei levando nosso filho muito mais longe do que devia.
-Onde foram?
-Apenas seguimos as trilhas dos campos.
-Mãe – o filho tomou a palavra –, não discuta com meu pai, a culpa foi toda minha.
Mia olhou diretamente para o filho, estranhando-o de certa forma, ele nunca fora uma criança que invadias suas discussões com o marido. Não possuía o hábito de dar broncas no filho e não seria essa a vez que passaria a fazer isso.
-Tudo bem, jantemos logo então, mas fique avisado, não serei eu a fazer o jantar amanhã.
Sentaram-se todos e comeram. Conversaram bastante sobre o dia, Mia passou a querer saber de tudo que acontecera. No momento que seu filho descrevia as árvores que havia observado, o vermelho em especial, ficou impressionada, não imaginava que o garoto fosse se interessar tanto por folhas, por árvores, que seja. As descrições do menino a faziam lembrar de várias coisas do seu passado e do passado do seu marido.
Naquela noite, antes que fosse dormir, precisaria conversar com seu marido. Terminaram o jantar e os três passaram mais algumas horas conversando. Quando se deram por satisfeitos, marido e mulher levaram o pequeno até o quarto, deixaram-no e esperaram que adormecesse. Logo em seguida era a vez dos dois e, assim que chegaram no quarto:
-Dan – novamente não sei se esse era realmente seu nome – esse é aquele mesmo vermelho?
-Sim, querida, o mesmo vermelho.
-E o que faremos?
-Nada, penso em deixá-lo alimentar essa curiosidade.
-Está louco? Quer que ele perca o mesmo tempo que você perdeu?
Dan, quando mais jovem, conheceu o vermelho e, por causa desse, teve vontade de se tornar, e acabou por fazê-lo, um jardineiro. Conheceu Mia quando estava obcecado em conseguir cultivar o tal vermelho, nunca foi capaz de mantê-lo por muito tempo e assim passaram-se vários anos. Era esse o tempo perdido citado por Mia.
-E o que sugere que eu faça? Entre na cabeça do nosso filho e arranque a memória do vermelho de lá?
-Se isso fosse possível...
-Não é isso que devemos fazer, penso em facilitar as coisas para que consiga sanar essa curiosidade.
-E como pensa em fazer isso?
-Simples, vou viajar daqui a dois dias.
-DOIS DIAS??!?
-Sim, dois dias. Não vou amanhã porque preciso fazer o jantar – falou enquanto dava uma risada.
-Não pode viajar assim tão de repente.
-Claro que posso. Você tem total capacidade de cuidar das coisas sozinha por alguns dias.
-Alguns quantos?
-Dez dias, nada mais.
-Mia, é pelo nosso filho. Nós dois sabemos que ele se parece muito comigo e, por isso, ele vai querer saber como tratar do vermelho.
Mia não queria acreditar naquilo, mas, no fundo, ela sabia que o que saía da boca do seu marido era pura verdade. Esse foi o motivo pelo qual não foi difícil convencê-la que aquilo fosse necessário.
-E onde você pensa que vai?
-Vou visitar o neto de um certo velho que conheci há muito tempo. Vou com minha bicicleta. Devo demorar quatro dias para chegar, dois para convencê-lo a vir falar com nosso filho e mais quatro para voltar.
À Mia não restou muita opção que não fosse a aceitação da ideia, afinal, era pelo bem do filho. Sabia que o conhecimento do marido não seria suficiente para ajudar o garoto.
Dormiram. No dia seguinte, tudo correu normalmente. O menino brincava, seus pais trabalhavam, tudo como o cotidiano estabeleceu. Na hora do jantar, Dan contou ao filho que viajaria no dia seguinte e que ficaria uns dez dias fora:
-Legal, pai. Aonde vai?
-Vou buscar um amigo
-Entendo. Tem algo a ver com a árvore de ontem? Nossa, como aquele vermelho era fantástico.
-Sim, filho. Percebi que queria me fazer algumas perguntas e se conteve. Esse meu amigo vai poder te ajudar muito mais do que eu.
Na manhã seguinte, bem cedo, Dan já estava pronto para partir com a bicicleta.
-Mia – disse pouco antes de beijar a esposa – cuide das coisas por aqui. Não se esqueça das plantas.
Dito isso, partiu. Mia estaria sozinha por dez dias com seu filho. E foram dez dias que teve de aguentar a descrição das árvores coloridas uma infinidade de vezes. Mia não gostava de deixar a casa sem ninguém por lá, porém, um dia, salvo engano, no nono após a partida de Dan, seu filho foi capaz de convencê-la a ir até o local onde o vermelho estava.
Chegando lá, Mia percebeu a divisão clara de cores, o cinza, o amarelo e o roxo. Não viu o vermelhos, todas as folhas haviam deixado o caule para trás. A tristeza no rosto do filho era evidente, não conseguiu mostrar a cor à mãe e isso o deprimiu. Foi uma noite de muitas lágrimas aquela.
Então, o décimo dia chegou. Dan devia estar de volta em algum momento daquele dia. Mia o aguardava ansiosamente, pensava que chegaria para o jantar junto do seu “amigo” e, devido a isso, fez comida para quatro pessoas. Infelizmente, Dan não chegou naquele dia. Mia ficou muito preocupada, seu marido nunca foi de descumprir os prazos que estipulava. O filho também se preocuparia, mas estava muito ocupado pensando no lugar aos as folhas rubras tinham ido.
Finalmente, quinze dias após a partida, Mia avistou duas bicicletas no horizonte, isso logo no início da tarde. Tinha certeza que era Dan e o neto do tal velho e realmente eram os dois. Não se passaram mais que dez minutos do momento que viu as duas bicicletas até que chegassem.
-Filho – gritou Dan logo que chegou.
-Pai – o filho correu para os braços do pai com lágrimas nos olhos.
-Ei, garoto, o que houve?
-As folhas pai, todas elas sumiram.
-Ei, não se preocupe. Vê aquele homem? - perguntou enquanto apontava um dedo para o homem que chegara junto com ele – Ele vai te ajudar a ter todo o vermelho que quiser.
Deixou o filho sozinho com o homem enquanto ia conversar com sua esposa:
-Por que demorou tanto? Não seriam dez dias?
-Mia, me perdoe. Não fui capaz de convencê-lo a vir em apenas dois dias, precisei de sete.
-Tudo bem, pelo menos ele está aqui.
Os dois ficaram observando o filho e sua conversa com aquele homem. Foram necessários dez minutos de conversa para que o filho parasse de chorar. A conversa durou muito tempo, passaram pela história do vermelho e suas misturas com outras cores, em especial, o amarelo o cinza e o roxo.
-Senhor – dizia o garoto –, isso é estranho. Quer dizer que, para o vermelho nascer, necessito dessas três em especial?
-Sim, meu garoto, não há rubro sem cinza, sem amarelo e sem roxo.
-Mas por que o foi o único a morrer nesse lugar?
-Filho, o vermelho é uma folha extremamente complicada. Mesmo que cuidemos muito bem dela, ela pode pode morrer e, algumas vezes, ela pode nem nascer. É muito mais complexa que as outras. Ainda existe o fato de suas sementes serem muito mais raras que qualquer outra que imagine.
-Por que isso?
-Isso é uma coisa que ninguém nesse mundo vai poder te responder de forma convincente.
O homem falou por horas naquele dia e por horas no dia seguinte. Ficou naquela casa por três dias e, sempre que questionado pelo garoto, tirava a dúvida se essa estivesse ao seu alcance. Quando se preparou para partir, entregou ao menino quatro sacos de sementes.
-Aqui garoto. Cinzas amarelos, roxos e vermelhos, faça bom uso delas.
-Muito obrigado, tio.
-Lembre-se muito bem do que eu te disse nesses dias. Escolha muito bem o terreno onde plantar o vermelho. Você já sabe de algumas condições... E nunca se esqueça, o vermelho é uma folha para a eternidade...
E o garoto completou:
-Mas é uma pena que a maioria dos terrenos tenham medo do eterno.

segunda-feira, setembro 01, 2014

O Lugar Nenhum

Um teatro
Uma floresta
Um incêndio
Um campo de batalha.

Há pessoas mascaradas fazendo coisas completamente sem sentido. Observa enquanto tenta compreender o que se passa. As máscaras são horripilantes, parecem ter origem na mais terrível história do seu imaginário. Aquilo o assustava, assustava de uma forma que seus próprios fantasmas não conseguiam. A plateia era formada por manequins, todos eles sem rosto. Não reagiam a nada, não se mexiam, não falavam. A impessoalidade da coisa era muito curiosa. Qual era o motivo daquele espetáculo para aqueles bonecos todos? Vira-se uma vez mais para os mascarados, todos o ameaçavam e toda aquela construção se desmonta. 

As árvores possuem formatos incomuns e sem um padrão que seja notável àqueles olhos. É possível notar a respiração das folhas e dos troncos. Os galhos se mexem como tentáculos e fazem tudo o que podem para bloquear a luz. Aparentemente, sua visão, em breve, não lhe serviria mais de nada. Ouve vozes dizendo coisas completamente desconexas. De repente, animais surgem correndo com tudo o que podem, fazem muito barulho, percebe que estão todos assustados. Atenta-se ao seu redor e vê um clarão se aproximar.

A temperatura começa a aumentar  descontroladamente, o fogo passa a consumir tudo. Os animais ficarão sem lugar para ir. Fixou o olhar naquela labareda, pensava em fugir, mas, por alguma razão, deveria ficar ali e enfrentá-la mesmo sabendo que não havia uma vitória o esperando. Senta-se e apenas espera. O fogaréu o cerca, não o afeta, mas acaba com tudo ao seu redor. Surge um relógio no pulso direito, ele começa a olhar a movimentação dos ponteiros. São muitos os movimentos e, assim como chegaram, as chamas somem sem uma explicação. O relógio some e o frio começa.

Um asfalto esburacado surge do chão logo à sua frente. Quer guiá-lo para algum lugar. Levanta-se e logo dá seus primeiros passos sem saber aonde está indo. Sempre fora uma pessoa curiosa. Direita, esquerda, direita, esquerda. Essa repetição ocorre centenas de vezes até que, logo à sua esquerda, uma explosão, que foi completamente ignorada, ocorre. Mais algumas dezenas de vezes até que levante sua cabeça. Vira-se para a esquerda e vê capacetes brancos, para a direita e vê capacetes negros. Decide fechar os olhos e ouve disparos incontáveis. Os sons e as origens deles não o ameaçavam, porém, o perturbavam bastante. O asfalto some e tudo o que resta é uma trilha de barro.

Todo aquele cenário era horrendo, por várias vezes desejou, secretamente, a morte e, por várias outras, desejava que sequer tivesse nascido. O barro por onde passou a andar deixava tudo bem claro. Saíra de lugar algum e estava indo, sem hesitar,  para lugar nenhum.