quarta-feira, março 11, 2015

O Homem Ruim

Ora, a pervigília está de volta. Não há opções do que fazer. Todos dormem agora, apenas estranhos estão acordados. Um destes sou eu, não que esteja me ofendendo ao me chamar estranho, afinal, isso todos somos de uma certa forma. Bom, por alguma razão, as estrelas, hoje, pouco me interessam. foco-me apenas nos desenhos que faço no papel.

Há coisas dentro de mim que precisam de expressão seja ela como for. Existem sentimentos que me trazem certa angústia. Um desconforto latejante desliza entre minhas costelas e causam um frio inquietante no meu ser. Meu coração bate em um ritmo que todos os compassos são diferentes. Isso me traz angústia e me deixa, quem sabe, vivendo numa espécie de agonia.

Estou longe do meu paraíso, se é que tenho um. Sei que fui um homem ruim, e essa raça não pode desfrutar de qualquer éden que seja. Minhas lembranças me mergulham em madrugadas melancólicas e são fortes o bastante para me deixarem no fundo do poço. Preciso de ajuda, mas acho que as divindades deixaram, há muito, de ajudar os maus homens

O céu está com um belo azul, enfim, percebo. Nada combina com o sal em meus olhos, nada combina com a vermelhidão em minha esclerótica. Nenhum elemento combina com a vergonha que se iniciou em meu interior e, muito menos, com o medo que passei a sentir do meu próprio eu.

terça-feira, janeiro 13, 2015

Os Tais Deuses

- Ora, aquele reles humano está ali de novo para nos pedir favores, todas as semanas ele está lá.
- Ora, por que o chama assim, irmão?
- Ele está sempre nos pedindo algo, esse é o porquê.
- Nós somos deuses, isso é bem normal.
- Sim, mas não podem pedir nossa ajuda por qualquer coisa.
- Não?
- Não!
- Mano, não seja assim, aquele humano não é um que não tenha valor, afinal, existimos por causa dele.
- O que quer dizer?
- Não é óbvio? Só existimos pela crença dele, se, por algum acaso, ele parar de acreditar em nós, vamos simplesmente desaparecer?
- Enlouqueceu? Somos seres divinos, não dependemos de humanos para existir, muito pelo contrário.
- Mesmo?
- Tenho toda certeza.
- Então, quer dizer que temos poderes infinitos? Podemos criar tudo o que quisermos apenas com a força de nossas mentes, temos o poder de fazer que as coisas sejam exatamente como queremos?
- Sim, tenho total convicção disso.
- Ai ai – dizia enquanto balançava a cabeça – como pode ter esse pensamento tão infantil? Só somos capazes de fazer isso porque alguém acredita que podemos.
- Deixe de besteiras, meu irmão, não somos considerados deuses à toa.
- Afinal, quem nos considera deuses?
- Nossos poderes ilimitados e nossa imortalidade deixam isso claro.
- Ah, irmãozinho, como você precisa aprender coisas.
- O que quer dizer?
- Digo que você é muito inocente. Venha comigo.
            Os dois logo deram passos, não demoraram muito, até que avistassem uma mulher, aparentemente bem cansada, trabalhando incessantemente com umas pilhas papéis:
- Veja lá, faça que pare de trabalhar e volte pra casa.
- Facilmente.
            Fez alguns poucos gestos com a mão direita e, logo em seguida, a mulher guardou todos os papéis e se colocou no caminho para casa.
- Aí está
- Muito bem, mas não terminamos, siga-me.
            Os deuses caminharam por cima das nuvens, enquanto o mais velho deles procurava por algo, ou alguém, para ensinar algo a seu caçula. Não foi tão rápido quanto achar aquela mulher. Então, na terra, viram um homem que chorava muito frente à uma pilastra:
- Veja lá, irmãozinho, use seus poderes, faça que pare de chorar.
- Como quiser.
            Logo fez alguns gestos com as mãos. Fez outros e outros. Nada que fizesse aquele homem parar de chorar. Tentou por um certo tempo, mas nada que tentasse fazer surtia efeito:
- Não estou conseguindo, o que está havendo?
- É tão simples, você não tem poder sobre ele porque ele não acredita na nossa existência, nada que façamos pode fazê-lo parar de chorar.
- E qual o motivo para tantas lágrimas?
- Acho que a mãe dele morreu ontem. Mas o que importa é o que quero mostrar, só temos o que achamos ter porque alguns nos levam a sério, acreditam em nós, aos que acreditam em nossa inexistência, não podemos fazer nada, seja para ajudar ou não.
- Então, nossos poderes têm limites nas crenças de cada humano lá embaixo.
- Não só nossos poderes, irmão, nossa existência inteira depende da crença deles.
- Está dizendo que não somos fortes como a maioria dos humanos pensa?
- Sim, é isso que estou dizendo. Eles existem, nós querendo ou não, e podem influenciar em nossa existência, são eles que detêm o poder divino.
- Por que então eles nos pedem as coisas?
- Eles não sabem o poder que tem, acham que são inferiores a nós em todos os sentidos. Se eles tivessem conhecimento do potencial que possuem para mudar as coisas ...
- Ora, irmão, por que acredita tanto neles?
- Por que tantos acreditam em nós? Eles podem nos extinguir a qualquer momento.
- Não se reduza tanto, você é um deus.
- Sim, eu sou e, justamente por isso, podem duvidar de mim, que eu exista. Os humanos não passam por isso.
- Por acaso, você está insinuando que toda a fé que eles têm em nós é, simplesmente, inútil?

- Não, irmãozinho. Sinceramente, eu acredito que um pouco de fé os ajude em certas ocasiões. Porém, eu acho que as coisas seriam muito melhores se eles começassem a acreditar em si mesmos.