Os
campos ali eram preenchidos por plantas de diversas cores. Formavam
uma bela paisagem e um belo lugar para se fazer caminhadas. A sombra
dali deixava o ambiente muito agradável e caminhar naquela região
era extremamente prazeroso. Havia por lá uma dupla inseparável, pai
e filho, que costumavam caminhar por entre as árvores que ali
estavam enquanto curtiam a companhia um do outro. Pelos olhos do
filho, o pai era extremamente sábio e, pelo olhar do pai, o filho
era bastante curioso.
Num
certo dia, perderam a hora e andaram muito mais do que era de
costume. Viram-se num lugar onde duas trilhas se cruzavam e estavam
em pé bem na interseção entre elas. Naquele ponto, existia uma
divisão clara de cores e a falta delas. À esquerda dos dois, havia
árvores com folhas amarelas e outras com folhas cinzas. Essas
árvores e suas cores não se misturavam. À direita, as árvores
tinham folhas roxas e, depois de uma certa linha imaginária, apenas
uma árvores no meio de uma planície de grama morta. Nas poucas
folhas que restavam, podia-se ver que essa já foi uma árvore cujas
folhas eram rubras.
O
pai lembrava daquele lugar, esteve lá há muito tempo, não lembrava
com quem, mas sabia que já estivera ali. Observava seu filho e
percebia o encanto por aquele cenário. O garoto gostou de todas as
cores, mas a solidão do vermelho fez que se apaixonasse. O menino
correu em direção à árvore solitária enquanto o pai o observava
e o seguia caminhando lentamente.
Depois
de um tempo de corrida, o menino chegou à árvore. De perto,
percebeu o quão grande era e, justamente pelo tamanho, teve vontade
de subir até seu topo. Estava reunindo a coragem necessária quando
sentiu a mão de seu pai tocar seu ombro esquerdo. Olhou diretamente
para seu pai e percebeu o olhar de reprovação. Estava bem claro que
a ideia de subir ao topo da árvore não era uma a ser considerada
boa.
-
Mas pai.......... por quê?
-
Filho, o tronco desta árvore está podre, não deve demorar muito
para que ela morra. Não se arrisque, não vale o risco.
-
Mas pai, quero pegar uma folha daquelas, sua cor é fascinante.
-
Concordo, porém, essas folhas logo morrerão também, como já
disse, não vale o risco.
-
Ao menos se existissem mais como estas...
-
Já existiu, meu filho. Já existiu.
-
Como sabe?
Aquele
homem lembrou-se da vez que estivera ali e contou ao seu filho o que
lembrava. Recordou-se exatamente das árvores amarelas, cinzas e
roxas. Naquele tempo, havia mais algumas árvores vermelhas e um bom
número delas já estava começando a apodrecer. Na primeira vez por
lá, também se apaixonou pelo vermelho e, mesmo que algumas já
estivessem apodrecendo, percebia que o rubro se misturava com as
outras cores, coisa que já não acontecia. Existia alguém, uma
espécie de jardineiro, que não deixava as árvores perecerem ao
tempo. Esse alguém, naquela época, já era bem velho e achava que o
vermelho era muito trabalhoso, por isso, não dava a elas a atenção
necessária.
-
Pai isso realmente é triste. Esse é o vermelho mais bonito que já
vi. Não há nada que possamos fazer?
-
Filho – respondeu – perguntei a mesma coisa para o velho homem.
Ele me disse que existe algo muito peculiar nessa árvore, nessas
folhas. O motivo de ser tão difícil cultivá-la
- E
o que seria?
-
Bom, pelo que sei, elas nunca foram numerosas como as outras e, como
já disse, ela era a única que conseguia se misturar com espécies
distintas. Aparentemente, ela influenciava o número de árvores de
cada cor, contudo, o fazia de maneira imprevisível. Em certas
estações, misturava-se com o amarelo e o multiplicava de maneira
incontrolável. Em outros tempos, misturava-se e o amarelo
praticamente sumia. Quando o amarelo diminuía consideravelmente seu
número, o cinza dominava aquele lado da paisagem. Baseando-se nisso,
somos conduzidos a pensar que esse fenômeno era controlado pelas
estações do ano, mas não, pois o comportamento dessas três cores
nunca se repetiu por duas primaveras ou qualquer estação que
queira.
-
Muito curioso. Como aquele idoso sabia disso?
-
Isso foi observado por seis ou sete gerações da família dele, ou
um número perto disso, não me recordo.
-
Entendo... E como era a relação entre o vermelho e o roxo?
-
Essa era, como as outras, bem interessante. Houve um tempo em que o
roxo e o vermelho foram praticamente iguais, numericamente falando.
Quando ocorria a mistura, inicialmente, o vermelho se comportava como
um parasita para o roxo e o matava em grande número. Depois, como
uma forma de vingança, era o roxo que se portava como parasita do
vermelho e também o matava em larga escala. Isso ocorria até que
estivessem em equilíbrio e coexistissem em paz e harmonia novamente,
pelo menos, até que, após um tempo imprevisível, o processo
recomeçasse.
-
Devia ser divertido ver a paisagem mudando completamente sem saber o
que esperar dela.
-
Devia ser espetacular. Agora, vamos voltar para casa, sua mãe nos
espera.
Deram
as costas para o último exemplar de vermelho que existia ali e
caminharam rumo à trilha que os levaria de volta para casa. O menino
estava, ainda, consumido por uma curiosidade sem fim. Queria muito
saber como eram as misturas que já ocorreram. Enquanto caminhavam, o
pai percebia a inquietação do filho e percebia que muitas perguntas
ainda existiam.
-
Pai?
Começou a falar, mas
logo se calou. Não queria perturbar o pai fazendo uma pergunta cuja
resposta o pai não seria capaz de dar. Não queria fazer que seu pai
se sentisse mal por não ter a habilidade para responder. Pura
besteira, coisas de uma criança que pouco entende de consciências.
-Filho, apressemos o
passo. Se nos atrasarmos para o jantar, sua mãe não ficará muito
feliz conosco.
-Pai, não consigo ir
mais rápido.
-Está certo – disse
enquanto se agachava – suba nas minhas costas.
O filho não perdeu tempo
e logo fez o que o pai sugeriu. Seu pai apressou o passo, sabia como
a mulher era quando o jantar não era servido na hora certa. Fez todo
o esforço que achou possível, mas não foi suficiente, atrasou-se.
Quando chegaram, o jantar já estava na mesa.
-Mia – confesso não
saber se esse era o nome dela ou uma forma carinhosa de chamá-la -,
perdão pelo atraso, acabei levando nosso filho muito mais longe do
que devia.
-Onde foram?
-Apenas seguimos as
trilhas dos campos.
-Mãe – o filho tomou a
palavra –, não discuta com meu pai, a culpa foi toda minha.
Mia olhou diretamente
para o filho, estranhando-o de certa forma, ele nunca fora uma
criança que invadias suas discussões com o marido. Não possuía o
hábito de dar broncas no filho e não seria essa a vez que passaria
a fazer isso.
-Tudo bem, jantemos logo
então, mas fique avisado, não serei eu a fazer o jantar amanhã.
Sentaram-se todos e
comeram. Conversaram bastante sobre o dia, Mia passou a querer saber
de tudo que acontecera. No momento que seu filho descrevia as árvores
que havia observado, o vermelho em especial, ficou impressionada, não
imaginava que o garoto fosse se interessar tanto por folhas, por
árvores, que seja. As descrições do menino a faziam lembrar de
várias coisas do seu passado e do passado do seu marido.
Naquela noite, antes que
fosse dormir, precisaria conversar com seu marido. Terminaram o
jantar e os três passaram mais algumas horas conversando. Quando se
deram por satisfeitos, marido e mulher levaram o pequeno até o
quarto, deixaram-no e esperaram que adormecesse. Logo em seguida era
a vez dos dois e, assim que chegaram no quarto:
-Dan – novamente não
sei se esse era realmente seu nome – esse é aquele mesmo vermelho?
-Sim, querida, o mesmo
vermelho.
-E o que faremos?
-Nada, penso em deixá-lo
alimentar essa curiosidade.
-Está louco? Quer que
ele perca o mesmo tempo que você perdeu?
Dan, quando mais jovem,
conheceu o vermelho e, por causa desse, teve vontade de se tornar, e
acabou por fazê-lo, um jardineiro. Conheceu Mia quando estava
obcecado em conseguir cultivar o tal vermelho, nunca foi capaz de
mantê-lo por muito tempo e assim passaram-se vários anos. Era esse
o tempo perdido citado por Mia.
-E o que sugere que eu
faça? Entre na cabeça do nosso filho e arranque a memória do
vermelho de lá?
-Se isso fosse
possível...
-Não é isso que devemos
fazer, penso em facilitar as coisas para que consiga sanar essa
curiosidade.
-E como pensa em fazer
isso?
-Simples, vou viajar
daqui a dois dias.
-DOIS DIAS??!?
-Sim, dois dias. Não vou
amanhã porque preciso fazer o jantar – falou enquanto dava uma
risada.
-Não pode viajar assim
tão de repente.
-Claro que posso. Você
tem total capacidade de cuidar das coisas sozinha por alguns dias.
-Alguns quantos?
-Dez dias, nada mais.
-Mia, é pelo nosso
filho. Nós dois sabemos que ele se parece muito comigo e, por isso,
ele vai querer saber como tratar do vermelho.
Mia não queria acreditar
naquilo, mas, no fundo, ela sabia que o que saía da boca do seu
marido era pura verdade. Esse foi o motivo pelo qual não foi difícil
convencê-la que aquilo fosse necessário.
-E onde você pensa que
vai?
-Vou visitar o neto de um
certo velho que conheci há muito tempo. Vou com minha bicicleta.
Devo demorar quatro dias para chegar, dois para convencê-lo a vir
falar com nosso filho e mais quatro para voltar.
À Mia não restou muita
opção que não fosse a aceitação da ideia, afinal, era pelo bem
do filho. Sabia que o conhecimento do marido não seria suficiente
para ajudar o garoto.
Dormiram. No dia
seguinte, tudo correu normalmente. O menino brincava, seus pais
trabalhavam, tudo como o cotidiano estabeleceu. Na hora do jantar,
Dan contou ao filho que viajaria no dia seguinte e que ficaria uns
dez dias fora:
-Legal, pai. Aonde vai?
-Vou buscar um amigo
-Entendo. Tem algo a ver
com a árvore de ontem? Nossa, como aquele vermelho era fantástico.
-Sim, filho. Percebi que
queria me fazer algumas perguntas e se conteve. Esse meu amigo vai
poder te ajudar muito mais do que eu.
Na manhã seguinte, bem
cedo, Dan já estava pronto para partir com a bicicleta.
-Mia – disse pouco
antes de beijar a esposa – cuide das coisas por aqui. Não se
esqueça das plantas.
Dito isso, partiu. Mia
estaria sozinha por dez dias com seu filho. E foram dez dias que teve
de aguentar a descrição das árvores coloridas uma infinidade de
vezes. Mia não gostava de deixar a casa sem ninguém por lá, porém,
um dia, salvo engano, no nono após a partida de Dan, seu filho foi
capaz de convencê-la a ir até o local onde o vermelho estava.
Chegando lá, Mia
percebeu a divisão clara de cores, o cinza, o amarelo e o roxo. Não
viu o vermelhos, todas as folhas haviam deixado o caule para trás. A
tristeza no rosto do filho era evidente, não conseguiu mostrar a cor
à mãe e isso o deprimiu. Foi uma noite de muitas lágrimas aquela.
Então, o décimo dia
chegou. Dan devia estar de volta em algum momento daquele dia. Mia o
aguardava ansiosamente, pensava que chegaria para o jantar junto do
seu “amigo” e, devido a isso, fez comida para quatro pessoas.
Infelizmente, Dan não chegou naquele dia. Mia ficou muito
preocupada, seu marido nunca foi de descumprir os prazos que
estipulava. O filho também se preocuparia, mas estava muito ocupado
pensando no lugar aos as folhas rubras tinham ido.
Finalmente, quinze dias
após a partida, Mia avistou duas bicicletas no horizonte, isso logo
no início da tarde. Tinha certeza que era Dan e o neto do tal velho
e realmente eram os dois. Não se passaram mais que dez minutos do
momento que viu as duas bicicletas até que chegassem.
-Filho – gritou Dan
logo que chegou.
-Pai – o filho correu
para os braços do pai com lágrimas nos olhos.
-Ei, garoto, o que houve?
-As folhas pai, todas
elas sumiram.
-Ei, não se preocupe. Vê
aquele homem? - perguntou enquanto apontava um dedo para o homem que
chegara junto com ele – Ele vai te ajudar a ter todo o vermelho que
quiser.
Deixou o filho sozinho
com o homem enquanto ia conversar com sua esposa:
-Por que demorou tanto?
Não seriam dez dias?
-Mia, me perdoe. Não fui
capaz de convencê-lo a vir em apenas dois dias, precisei de sete.
-Tudo bem, pelo menos ele
está aqui.
Os dois ficaram
observando o filho e sua conversa com aquele homem. Foram necessários
dez minutos de conversa para que o filho parasse de chorar. A
conversa durou muito tempo, passaram pela história do vermelho e
suas misturas com outras cores, em especial, o amarelo o cinza e o
roxo.
-Senhor – dizia o
garoto –, isso é estranho. Quer dizer que, para o vermelho nascer,
necessito dessas três em especial?
-Sim, meu garoto, não há
rubro sem cinza, sem amarelo e sem roxo.
-Mas por que o foi o
único a morrer nesse lugar?
-Filho, o vermelho é uma
folha extremamente complicada. Mesmo que cuidemos muito bem dela, ela
pode pode morrer e, algumas vezes, ela pode nem nascer. É muito mais
complexa que as outras. Ainda existe o fato de suas sementes serem
muito mais raras que qualquer outra que imagine.
-Por que isso?
-Isso é uma coisa que
ninguém nesse mundo vai poder te responder de forma convincente.
O homem falou por horas
naquele dia e por horas no dia seguinte. Ficou naquela casa por três
dias e, sempre que questionado pelo garoto, tirava a dúvida se essa
estivesse ao seu alcance. Quando se preparou para partir, entregou ao
menino quatro sacos de sementes.
-Aqui garoto. Cinzas
amarelos, roxos e vermelhos, faça bom uso delas.
-Muito obrigado, tio.
-Lembre-se muito bem do
que eu te disse nesses dias. Escolha muito bem o terreno onde plantar
o vermelho. Você já sabe de algumas condições... E nunca se
esqueça, o vermelho é uma folha para a eternidade...
E o garoto completou:
-Mas é uma pena que a
maioria dos terrenos tenham medo do eterno.